Campus da Universidade cheio de árvores

O Lado Ruim de Estudar No Exterior

Quando as pessoas pensam em morar fora ou de estudar no exterior, elas normalmente imaginam uma jornada repleta de aventuras e muito conhecimento. Para mim, inclusive, esse sonho de se mudar para o exterior era quase como um plano digno do Cebolinha infalível. A verdade é que, a vivência de uma estrangeira fora do seu local de origem consegue ser extremamente estressante e cansativa.

Esse texto não tem o objetivo de te fazer desistir dos seus sonhos, muito menos desestimular a sua vontade de morar fora. Pelo contrário, apenas quero que você — seja você um mero viajante, um intercambista, ou um trabalhador se prepare mentalmente e fisicamente para tal mudança. Em suma, eu quero que você entenda que além do lado bom, também existe o lado ruim de estudar no exterior e morar fora.

O Contexto do Texto

Recentemente tenho me sentido muito cansada. Cansada fisicamente e mentalmente. Para falar a verdade, o cansaço está comigo desde antes da minha mudança para a Noruega. No Brasil, eu estava cansada com a quantidade de coisas que eu precisava lembrar, as leis, a burocracia, a papelada, enfim. Quando cheguei na Noruega, eu estava cansada devido a uma alergia no corpo e cansada de carregar três malas enormes e pesadas. O cansaço nunca foi embora, ele continua firme e forte pois assim que pisei no país, os estudos começaram. Começaram hardcore mesmo, com tarefas, textos para ler, discussões em grupo, etc.

Antes de vir para a Noruega que eu venho me sentindo cansada. O inverno europeu com certeza não tem me ajudado. Por isso, acredito que eu esteja passando por duas coisas: transtorno afetivo sazonal (depressão sazonal) e síndrome de ulisses (síndrome do imigrante). Além do estresse e cansaço acumulado por meses, o fato de eu estar em um país completamente diferente gera um desconforto gritante que faz com que eu queira voltar para casa.

A síndrome de ulisses nada mais é que um quadro de estresse forte ligado às dificuldades relacionadas à migração. Os imigrantes que passam por essa síndrome normalmente lidam com diversas sensações negativas. Sendo tristeza, solidão, e frustração algumas delas. Além disso, a síndrome pode gerar desgastes físicos e fadiga — tudo que eu venho sentindo nos últimos sete meses.  

Já o transtorno afetivo sazonal é algo que ocorre durante o outono e inverno. Devido a falta de luz solar, muita gente acaba se sentindo mais cansada e sonolenta. Esse transtorno também possui uma lista enorme de sensações negativas, porém todas elas estão ligadas a falta de luz.

Esse é basicamente o contexto do texto, o porquê das minhas reflexões sobre o lado negativo de morar fora.

“O Brasil é uma bosta”

Acredito que a maioria dos brasileiros depositam uma expectativa imensamente absurda nos países gringos, como se a maioria deles fossem quase perfeitos. Não importa o quanto a mídia divulgue atos negativos sobre o continente europeu ou os Estados Unidos, muita gente ainda enxerga o exterior como um paraíso. Oras bolas, durante o processo exaustivo para conseguir me mudar para a Noruega, eu ouvi que eu tinha que agarrar essa chance para nunca mais ter que voltar ao Brasil. Afinal de contas, “o Brasil é uma bosta”. Mas a realidade é que, desde quando pisei na Noruega, tudo que eu quero é voltar para o Brasil.  

Talvez seja o sentimento de saudade que me faz entender que o meu país não é tão bosta assim. A saudade da família, da antiga rotina, e dos meus amigos, torna a experiência muito mais difícil. No inglês, tal sentimento é chamado de “homesickness”. Esse termo que se refere ao sofrimento emocional que ocorre quando uma pessoa está inserida em um ambiente diferente. Eu sei, eu sei que o Brasil tem diversos defeitos, sendo a violência exacerbada o maior deles. Mas, morar fora me fez enxergar o que eu não percebia e me fez valorizar outras coisas que antes eu não ligava. Hoje, eu valorizo à gentileza com estranhos, o sorriso e gargalhadas, os abraços, a comida cheia de temperos, a natureza brasileira, os serviços ofertados, entre outras coisas. Acreditem se quiser, eu sinto falta até das conversas casuais — meio chatas — de taxistas e uberes.

Expectativa vs. realidade de estudar no exterior

Quando a gente sonha morar fora, ou resolve se mudar para outro país, a nossa cabeça fica cheia de ideias e expectativas. Pensamos que vai ser tudo lindo e maravilhoso. Mas, quando a gente realmente pisa em um novo país e passa a encarar as dificuldades de ser uma imigrante, a realidade aparece. Não é fácil morar fora, e mesmo que você já tenha visitado o país antes, você ainda vai passar por poucas e boas. 

Não, a Noruega não é perfeita. Ainda que muitos acreditem que “as coisas funcionam” na Noruega, não é bem assim. Tem muita coisa que não funciona e que irrita. Aquele velho ditado “só quem viveu sabe”. Em qualquer lugar do mundo você passará por momentos de felicidade e tristeza, de angústia e relaxamento.  

A imagem da Noruega está relacionada a modernidade, riqueza, tecnologia, inovação e natureza. Existe um pouco de verdade nessa imagem, mas também existem diversas contradições que valem ser reconhecidas:

  • O país é super a favor do meio ambiente, doa dinheiro para recuperação da Amazônia, e tenta desenvolver mais e mais energias renováveis, mas ele ainda continua sendo um dos maiores produtores de petróleo e gás do mundo. 
  • Através do Innovation Norway, o governo norueguês empresta dinheiro para aqueles com ideias de negócio inovadoras. Uma iniciativa incrível, porém a grande maioria dos serviços ainda é extremamente lenta e a opção de produtos e serviços é bastante limitada.    
  • A Noruega realmente é um país rico devido ao fundo soberano da Noruega. O governo norueguês conta com cerca de 1,3 trilhão de dólares. Mesmo com tanto dinheiro ainda existe gente que vive no país com dificuldades. Muitos não conseguem arcar com as despesas caríssimas da Noruega. Estudantes, imigrantes, e alguns noruegueses (principalmente pais ou mães solteiras) penam com os valores extremos. 

Fazer amizades

Fazer amizades não é uma tarefa fácil, e na Noruega essa tarefa consegue ser muito mais complicada. Eu sabia que eu teria dificuldade nessa questão ainda mais pelo fato de que eu sou tímida. Mas, o problema é que os noruegueses costumam ser mais distantes e reservados. Além disso, a maioria da minha geração na Noruega já está no segundo casamento e tem filhos. Algo que, pelo menos na minha bolha brasileira, não é comum existir. 

Se mudar sem ter uma amizade íntima por perto aumenta o nível de dificuldade de morar fora, porque mesmo que você consiga se comunicar com os amigos ou familiares que ficaram para trás, você ainda sim está há 5 horas de distância daqueles que importam. 

Por outro lado, a vantagem de quem se muda devido aos estudos, pelo menos, é que você tem uma liberdade um pouco mais ampla para criar vínculos com outros estrangeiros. Afinal de contas, você e eles estão no mesmo barco e passaram por processos similares para chegar até o país. 

Emprego no exterior

Essa palavra me atormenta há muito tempo. Isso porque eu nunca obtive uma experiência “real oficial” de emprego. Infelizmente, realizar um curso superior e se mudar para outro canto do mundo não necessariamente vai aumentar as chances de conseguir um emprego. 

Conseguir um emprego vai depender se você tem experiência prévia, vai depender da sua educação, vai depender da sua nacionalidade, e da sua capacidade em falar a língua local. Mas, infelizmente, a verdade é que você jamais irá para o topo da pilha de um recrutador enquanto tiver nativos competindo pela vaga com você. Quem consegue emprego tranquilamente são profissionais que tem anos e anos de trabalho nas costas e possuem um conhecimento que falta dentro da Noruega.

No meu caso, até agora eu consegui uma única entrevista de emprego, propostas fakes, e um “treinamento” em um restaurante de sushi que nada mais era que uma tática para fazer com que eu trabalhasse de graça por um dia.  

Estudar no exterior

Estudar no exterior sempre foi meu sonho, como já disse diversas vezes antes. Por isso, eu jamais pensei que ao vir morar fora eu pensaria em desistir de tudo. Estou falando por mim mesma, lembrem-se, esse texto parte do que eu venho sentindo. Esse texto é baseado na minha própria e única experiência. Cada pessoa é diferente, cada país é diferente, cada curso é diferente, assim como cada universidade é diferente.

Acontece que eu estou em um dos cursos que, segundo a minha universidade, é um dos mais “prestigiados” em toda a Noruega. Por mais feliz que eu esteja cursando ele, ainda mais pela sua reputação, eu confesso que é difícil aturar por vezes. Eu gosto de algumas matérias e gosto de alguns professores. Acredito que estou aprendendo, e muito. Mas por muitas vezes eu quis desistir porque eu não estava aguentando o tranco; a quantidade de tempo investido estudando para cada matéria. Fazer um mestrado é passar pela sensação de afogamento, pelo menos é como eu me senti no semestre passado.

Eu via colegas sendo sociáveis, passeando pelas montanhas, viajando, e eu apenas ia da universidade para casa, de casa para a universidade. Meu ponto é: estudar no exterior não é um conto de fadas. Estudar fora é trabalho duro e árduo. Serão críticas e mais críticas que farão você questionar a sua própria capacidade, mas é aquilo… bola para frente que atrás vem gente!

O lado bom de se mudar para fora e estudar no exterior

Morar fora significa crescer na marra. É uma experiência intensa, triste, sofrida, mas que pode ser extremamente incrível também. Você passa a ultrapassar seus próprios limites e de pouco a pouco as coisas começam a melhorar. 

Confesso que eu ainda estou esperando pela melhora completa, mas os dias bons são aqueles que me fazem acreditar que dias ainda melhores estão por vir. Como a Taylor Swift diz tão bem, a gente tem que “Shake It Off” para expelir toda a carga negativa. 

Para mim, o lado bom disso tudo é saber que meu sonho está sendo realizado, de que estou rodeada de pessoas de culturas diferentes, de que eu estou morando em um país belíssimo de uma natureza sem igual, e de que estou desenvolvendo o meu conhecimento. 

4 Comments

  • Sônia Abreu.

    É não é fácil mesmo ! Eles jogão duro , tem que ser muito forte ou querer até vc fazer sua escolha : vou adoecer , ou retorno de onde vim . Eu salvaria minha saúde completa ! Física e mentalmente ,nuca permitiria estudo e nem salários me MATAR .

    • jadecap

      Sim Sônia, é um processo complicado mesmo morar fora. Estou esperando as coisas melhorarem – já estão melhorando de pouco a pouco na verdaed, mas enfim, ainda falta um tanto para o desconforto ir embora. O maior problema é o estudo que é bastante puxado mesmo.

  • Monique

    Morei pouco tempo em Portugal e em Luxemburgo, e agora serei sua vizinha em Stavanger em Março. Se sentir falta de um papo descontraído Brasileiro pode me chamar! E exatamente, não é tudo um conto de fadas, existe muito suor, trabalho, “nãos”, lidar com a sensação de “não ser igual”, querer às vezes estar no sofá de sua casa rodeado pelos seus pais sentindo cheiro de café coado e muito afeto… Mas é isso, sair do Brasil também abre nossa cabeça e a gente realmente sai da nossa bolha para ver outros modos de viver, aprender e assimilar pensamentos e hábitos novos (e até mesmo ver que o que a gente achava que era “ruim” no Brasil, na verdade é uma qualidade, e que outros não têm capacidade de entender se não vivenciarem). O que me atrai também é o fato de se sentir mais livre e segura fora de casa (sem medo de sair com laptop, celular, etc na rua ou no transporte público – só de pensar em fazer isso no Brasil dá atenção gatilho).
    Desejo sucesso para vc nessa jornada.

    • jadecap

      Oi Monique! Ah, muito obrigada pelo comentário! E sim, a sensação de segurança não tem igual, isso é o que mais me desmotiva de querer voltar para o Brasil. Desejo tudo de bom na sua jornada também!

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